Do ritual religioso à controvérsia dos golfinhos. descubra a história de Saire (2023)

Saraipora carrega o símbolo de Sairé na parte religiosa da festa, 2008. (Foto: Arquivo/Zé Rodrigues)

O Festival Sairé acontece todo mês de setembro na vila de Alter do Chão na regiãosantarem, oeste do Pará, em 2014, está marcada para 11 a 15 de setembro. Antes da abertura oficial, os cariocas realizam um ritual de busca de lenços de papel. O evento é marcado pelo religioso e pelo profano, com litanias e rituais que lembram os povos indígenas, juntamente com o festival dos golfinhos onde se desenrola a lenda desta região.

Origem
Alguns pesquisadores acreditam que o evento tem 300 anos. Segundo escreveu a historiadora Terezinha Amorim em seu livro “Sairé: Evento Cultural do Povo Borari”, um evento religioso foi realizado pelos índios em diferentes partes da Amazônia para homenagear os colonizadores portugueses.

O historiador padre Sidney Canto na obra “Alter do Chão e Sairé: uma contribuição para a história” afirma que a manifestação foi uma espécie de intervenção dos missionários jesuítas para apresentar o cristianismo aos nativos da região.

Terezinha explica em seu livro que o ritual consistia em uma procissão liderada por um Sairé, objeto semicircular feito de cipó e coberto com algodão decorado com fitas e flores locais. A procissão foi seguida de orações e jantar com pratos típicos da Amazônia. Depois vieram os fogos de artifício.

Representação da parte para Alter
Segundo historiadores, Sairé foi apresentado a Santarém e Alter do Chão pelo padre jesuíta italiano João Maria Gorzoni no século XVII, onde ensinou aos índios como fazer e tocar instrumentos musicais.

Segundo pesquisa do Padre Sidney Canto, os dois primeiros relatos de Sairé são de Alter do Chão de 1951, de Nunes Pinto, e outro do início da década de 1980, dos professores João de Jesus Paes Loureiro e Violeta Refkalefsky Loureiro, referindo-se a Dona Nice Lobato Gobato com algumas pequenas diferenças entre os dois relatórios. Segundo Cantu, pelos registros históricos que obteve no Baixo Amazonas, o primeiro Sairé ocorreu em Vila Franca. Afirma expressamente não ter encontrado nenhum documento que comprove o nascimento da festa em Alter do Chão, mas que Sairé desapareceu de outros locais onde existiu.

Definições e notas
Para o padre Sidney Cant, autor dos últimos trabalhos sobre o tema, a palavra Sairé é definida por um símbolo ou moldura de madeira ou cipó. a um cortejo com símbolo liderado por uma mulher acompanhada de tambores e cantos para saudar as autoridades e à festa que se seguiu ao cortejo.

proibição e resgate
O padre explica que o Sairé foi proibido na década de 1940 porque havia abusos nos rituais sem o consentimento das autoridades religiosas, incluindo jogos de azar e venda de bebidas alcoólicas, que quase sempre geravam brigas e mortes. Além disso, houve também exploração económica em nome da religião.

Após 30 anos de proibição, em 1973 os moradores da aldeia decidiram salvar o Sairé como um evento folclórico, alheio à Igreja Católica, que é celebrado juntamente com a festa de Nossa Senhora da Saúde, padroeira da aldeia. Segundo Sidney Canto, o Sairé começou a se desdobrar fora do contexto histórico e cultural em que foi originalmente proposto: o catecismo.

Festival dos Golfinhos
Em 1997 foi fundado o Festival Botos, competição dos clubes folclóricos Tucuxi e Cor de Rosa, onde apresentam a lenda de um boto de água doce que se transforma em belo homem, seduz e engravida mulheres.

Segundo Cantu, a festa dos Botos foi copiada da festa dos Bois de Parintins (AM), o que também provocou uma mudança na localização do Sairé, deixando a filial criada ao lado da igreja Nossa Senhora da Saúde para ser realizada no Sairódromo, assim abolição, vários leigos foram presenteados com danças nacionais, concertos de músicos famosos.

Botos cor de rosa e Tucuxi disputam o melhor cenário da lenda (Foto: Arquivo/Zé Rodrigues)

Para a historiadora Terezinha Amorim, a introdução do festival dos golfinhos foi a maior de todas as inovações ocorridas nos mais de 300 anos de existência de Saire, criando o cenário para “uma das mais belas e tradicionais lendas da Amazônia”.

Em Lago Verde, a trama gira em torno da sedução, morte e ressurreição do boto com os personagens Cunhantã-iborari, Principado do Lago Verde, Rainha Sairé, Tuxau, Pajé e pescadores. Boto foi morto por ordem do pai (tuxau) de uma menina (Cunhã-borari) que Boto havia seduzido e engravidado. A ira dos espíritos malignos da região recai sobre Tuxau, que pede a Pajé que reanime o boto.

Terezinha acredita que mesmo com a perda da originalidade do Sairé pela introdução de elementos profanos, as inovações têm proporcionado mais emoção e motivado mais pessoas a visitarem Alter do Chão.

Seduzindo Boto Tucuxi em festa em 2008
(Foto: Arhiva/Zé Rodrigues)

Para a antropóloga da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Luciana Carvalho, que participou de um estudo realizado pela universidade em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para tentar salvar as origens de Sairé, todas as manifestações da cultura passam por sucessivas transformações ao longo do tempo, embora algumas tradições tenham sido preservadas e outras adaptadas. “As pessoas dividem isso em profano e religioso, mas não acho que isso faça muito sentido. Na verdade, é disso que se trata a diversão. Hoje, tudo o que era religioso há 40 anos era considerado profano”, acredita.

Ortografia controversa com 's' ou 'ç'
A grafia do nome do partido é polêmica, pois há quem defenda um "s" ou "ç" inicial no início da palavra, embora esta segunda opção não faça parte da forma oficial de uso da língua portuguesa. Em 1997, foi introduzida a escrita com "ç" para esta palavra, mas foi retirada em 2004, após retornar em 2013.

Boto Rosa Sedução para festa em 2008
(Foto: Zé Rodrigues/TV Tapajós)

Segundo o trabalho de Sidney Cant, a grafia correta é mesmo com “s”, o que contraria a confirmação de origem no dialeto amazônicobem desse jeito. Ele se baseia em muitos documentos antigos para chegar à sua conclusão. De acordo com ele,bem desse jeitoe o tupi não eram línguas indígenas, mas foram criadas para a comunicação entre colonizadores e colonizados. Além disso, nenhuma palavra da língua portuguesa começa com “ç” e não há indícios de que tenham existido tribos indígenas com alfabeto próprio. Ou seja, quando os colonos chegaram à região, cada tribo tinha sua língua, mas ninguém sabia escrever. “Não há registro de que os nativos da Amazônia usassem um alfabeto (e se o fizessem, ele estava perdido há muito tempo), e eles não escreviam, então é impossível conceber a ideia de que os nativos usassem uma ortografia para escrever a palavra Sairé', descreve o poema em construção.

Ele também afirma que a grafia “Çairé” não existe no idiomabem desse jeito. Segundo o trabalho do padre, a palavra com “ç” apareceu pela primeira vez em 1875, mais de cem anos antes da primeira publicação da palavra “Saire”.

Para a antropóloga da Ufop Luciana Carvalho, uma pesquisa em colaboração com o Iphan encontrou registros do nome nas duas formas. Segundo ela, não há problema com a linguagem porque é a forma como os envolvidos na festa expressam o desejo de serem representados. “Não há problema em não escrever com ‘ç’ em português, mas neste caso é adequado. É a forma como as pessoas se posicionam, representa a origem, aponta para a origem originária”, afirma.

OG1tentou contato com o professor Edilbert Ferreira, que defende a grafia "ç", mas não conseguiu publicar este artigo.